Merda para o tempo
Merda para o tempo… Não sei o que fazer: sentar-me ou quedar-me deitado, a ouvir o vento a bater na vidraça. O dia está-me no sangue como se tratasse de poeira, não o sinto, excluído está de tão fútil ser. Mas está-me no sangue. E por isso mesmo fico alheado e exaltado ao mesmo tempo, pois que tudo me ameaça cair em cima dos ombros já bem pesados. Tenho vontade de correr os cem metros! Mas as forças abandonam-me já, estando ainda o desejo tão próximo. O desejo… Tudo o que nós ambicionamos com o punho viscoso do nosso querer, tudo o que se afasta enquanto nos aproximamos demais. É o excesso que nos deixa alheados.
A noite aproxima-se com os seus passos de vagar sonolento. E é mesmo isso que me angustia, que me provoca náusea. Em ondas que me deixam velho e usado. A velhice da alma é bem mais precoce do que a velhice do corpo! Porque o corpo é exactamente aquilo que lhe damos como uso, nada mais do que isso. Enquanto a alma, é sempre um estranho bem dentro do nosso ser, com vida própria que não nos pertence, que até nos afronta da maneira mais impertinente. É uma velha debochada a nossa alma!
E é isso mesmo que me angustia. A noite aproximar-se sem eu estar preparado para ela. Porque a chegada da noite é sempre o sinal da falta de tempo, da falta de mim. Eu vivo em desvio constante. Nada me fascina já, nada me faz rir um pouco, nada em nada me consome: porque eu já fui todo consumido! (Não chorem, não chorem, por favor… É tudo a brincar.)
Desprezo e desprezo-me. É como se tratasse de um jogo: vamos ver quem despreza mais?
Bolas para tudo. Tenho sono. Um sono profundo e maldoso. Mas é tudo a fingir. A mim apetecia-me era correr os cem metros! Correr a vida… e esperar pela Morte!
Bórgia Ginz, in O Anormal