Antes morto que mal vivo
Antes morto que mal vivo. O tempo é apenas o resíduo da nossa memória mais violenta, evolui segundo a expectativa que dela nasce, e assim morre, quando o desencanto surge no limiar da porta. Os olhos todos do abismo estão presentes nesse belo momento. O microsegundo eterno do adeus.
As sombras que eu deposito no passeio que me acolhe estão gastas demais para daí retirar qualquer conveniência. Eu próprio me afundei na constatação do final urgente, da misericórdia sem meios capazes, no azul dos olhos que são castanhos. Não importa se o final tem mesmo um fim, ou se é apenas mais um adiar constante e firme sem ser convincente, ou se a mente apenas procria as imensidões sem as poder antever no corpo. O caso não é para agonias nem pesares. Tudo pode ser corrigido. Um gesto. Um olhar. O corpo todo pode-se transformar na libélula em que a mente se vai metamorfoseando. As mãos podem ser os instrumentos lógicos do nosso querer, e assim, no meio da virtude, pode bem surgir um medo maior do que todas as belezas juntas, um medo que nos fascine ao ponto de o querermos sempre bem entalado no âmago do nosso ser, um medo que nos faça procriar. Não há dúvida que a procriação é bem a nossa urgência.
Hoje, veio de través uma resposta às minhas maravilhas. O tempo. Ou a falta que o tempo faz. A necessidade de haver um tempo, uma cronologia acertada para tudo, um acerto geométrico da nossa progressão pelo mundo, é vazia e nada diz, é apenas mais uma escolha, um leve encolher de ombros com um tímido sim a empoleirá-lo. Queremos pura e simplesmente ser cronologicamente correctos.
Bórgia Ginz, in O Anormal