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O Anormal


Bórgia Ginz
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Antes morto que mal vivo

Bórgia Ginz

Antes morto que mal vivo. O tempo é apenas o resíduo da nossa memória mais violenta, evolui segundo a expectativa que dela nasce, e assim morre, quando o desencanto surge no limiar da porta. Os olhos todos do abismo estão presentes nesse belo momento. O microsegundo eterno do adeus.
As sombras que eu deposito no passeio que me acolhe estão gastas demais para daí retirar qualquer conveniência. Eu próprio me afundei na constatação do final urgente, da misericórdia sem meios capazes, no azul dos olhos que são castanhos. Não importa se o final tem mesmo um fim, ou se é apenas mais um adiar constante e firme sem ser convincente, ou se a mente apenas procria as imensidões sem as poder antever no corpo. O caso não é para agonias nem pesares. Tudo pode ser corrigido. Um gesto. Um olhar.


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Merda para o tempo

Bórgia Ginz

Merda para o tempo… Não sei o que fazer: sentar-me ou quedar-me deitado, a ouvir o vento a bater na vidraça. O dia está-me no sangue como se tratasse de poeira, não o sinto, excluído está de tão fútil ser. Mas está-me no sangue. E por isso mesmo fico alheado e exaltado ao mesmo tempo, pois que tudo me ameaça cair em cima dos ombros já bem pesados. Tenho vontade de correr os cem metros! Mas as forças abandonam-me já, estando ainda o desejo tão próximo. O desejo… Tudo o que nós ambicionamos com o punho viscoso do nosso querer, tudo o que se afasta enquanto nos aproximamos demais. É o excesso que nos deixa alheados.


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Café

Bórgia Ginz

No salão do café só estão agora alguns casais de idosos. Parece-me estar na fronteira de dois mundos que não coexistem de uma forma harmoniosa. Do lado de fora do café vagueiam os seres apressados, de objectivos bem definidos e ansiosos. Os jovens. No lado de dentro permanecem os idosos, cuja vida passou em frente a seus olhos sem deixar as marcas de uma missão. Eu estou bem encostado à montra, com uma janela enorme, com os olhos postos nas pessoas que passam lá fora, mas com a alma bem dentro da escuridão do salão. Sinto-me, (que absurdo eu sentir-me assim), o fiel da balança que nunca se equilibra, pois o peso morto da velhice é bem mais leve que todas as vidas que ainda viverão até ao futuro.


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Memória

Bórgia Ginz

A memória perdura na minha mente. Ainda… Faltam os acasos todos subtis, para que o assombro do sentir se volte para mim e me faça vibrar no escuro do meu quarto escuro.

Como todas as coisas que se fazem amenamente, o vicio já não tem a sua conta de maravilha, ele eclipsou-se para sempre em vagas de sonho inconcreto, velho, menos amoroso do que a rocha mais dura e inviolada. É a miséria a vibrar os seus golpes cruéis e certeiros.


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O encontro

Bórgia Ginz

Eu tinha chegado há pouco àquela cidade, devido à necessidade de conseguir trabalho, isto depois de uma breve passagem pelas salas escuras e anónimas de uma pequena instituição de ensino superior do interior, quando conheci S. e aquele grupo heterogéneo de amigos no meio do qual eu agora me passeava. Eu era de qualquer forma um estranho, um out-sider naquela cidade, eu, que conhecia o mundo através dos livros que lia, vivendo até então uma vida ascética e inóqua de prazeres modernos. De maneira que toda aquela grandiosidade das formas exercia uma espécie de fascínio sobre mim, apesar de nos primeiros tempos a dificuldade em me adaptar fosse quase penosa e me fizesse ter vontade de fugir, de escapar das pessoas e dos seus tentáculos de amizade. Até que conheci S., durante um episódio assaz singular.


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Diferente

Bórgia Ginz

-Eu sou diferente de todos os homens que poderás encontrar.
-Todos os homens são diferentes…
-Mas eu sou diferente até naquilo que os outros são iguais.
-Podias concretizar?
-Tu, por exemplo. Amo-te, julgo sabê-lo. E assim, nunca te conseguirei deixar. Faltar-me-ão sempre as forças para dar o último passo.
-Eu sei. É por isso que te acho um fraco.


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Parede nua

Bórgia Ginz

Descanso a cabeça de encontro à parede nua. Vejo assim mais nitidamente o meu futuro impossível, o sonho destravado e inútil dos meus desejos antigos. Toda a miséria da minha existência inunda agora os poros entupidos da minha pele ressequida e vencida pelo tempo. Não mais do que uma pequena solidez nos punhos e na face, não mais do que um pedaço de esforço vão e sôfrego, vão e inútil, como se estas palavras tivessem significados diferentes. Não vejo a minha sombra no asfalto da rua. Porque será? Não fosse noite na minha alma e tentaria responder a esta pergunta.


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O Conde

Bórgia Ginz

O Conde era muito moreno. Adivinhavam-se na sua cor e traços certos vestígios de uma qualquer raça arábica, como muitas que se encontram pela França inteira. Tinha o peito repleto de pêlos, uns pêlos rijos e fortes, que faziam ressoar um certo timbre de sussurro quando raspavam os meus, mais suaves. Os braços dele eram cheios, todos empanturrados de sensualidade; pareciam amarras de bons portos, sempre prontos a nos recolher e confortar. Apresentava uma leve barriga proeminente, que supus ser o efeito de exagero na bebida. As pernas eram lindas. Com os músculos todos certos, sem exagero, suaves.


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Juca Pimentel

Bórgia Ginz

Decidi acender um cigarro, quando entrou no café um indivíduo de baixa estatura e aspecto desleixado que se dirigiu apressadamente para o balcão e logo se pôs a gritar para o empregado que o fora atender, tornando-se totalmente impossível não o deixar de ouvir:
-Eu sei que o senhor tem pouca consideração por mim! Não, não diga nada, pois eu vejo-o nos seus olhos! Estava eu ainda desinteressado de tudo isto a que chamam “ir a um café” e já me vem o senhor abeirar-se e perguntar o que quero. Eu não quero nada! Eu só quero estar aqui!


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S

Bórgia Ginz

– Acreditas na beleza?  – Acredito na minha beleza, e na dos filhos que terei mais tarde.  – És muito narcisista. – Não! Sou apenas uma mulher deste século, alguém que deixou de acreditar em qualquer coisa que não ela própria. Aliás… como toda a gente que conheço. Eu só te digo as coisas desta maneira para te fazer ver as coisas como elas são hoje em dia. Se perguntasses a uma Antonieta ou a um Jeraldino qualquer, eles responderiam invariavelmente da mesma forma: eu, mim, minha… Se não fosse assim, as pessoas amar-se-iam todas, e isso seria insuportável, um verdadeiro suplício.


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A Força

Bórgia Ginz

Em quê que se revela a força de uma pessoa? Nas suas acções, talvez. Na sua maneira de estar, talvez. Ou então em pequenos pormenores de ocasião, tal como a maneira como saúda alguém que já não vê há muito tempo, ou como ergue a taça de vinho à altura dos lábios para uma golada rápida. Ou então, na maneira como ama e facilmente esquece…


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H

Bórgia Ginz

H. pousou a caneta e olhou pela janela. A noite caíra decerto há muito, a penumbra do quarto deixava-o enleado pela ténue luz do candeeiro. O quarto era grande. Havia ao longo de toda uma parede uma série de prateleiras cheias de pó, onde os livros se amontoavam de uma forma pouco arrumada, livros velhos a maior parte, com as lombadas gastas e de aspecto barato.



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    Morel – ACT9
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