Parede nua
Descanso a cabeça de encontro à parede nua. Vejo assim mais nitidamente o meu futuro impossível, o sonho destravado e inútil dos meus desejos antigos. Toda a miséria da minha existência inunda agora os poros entupidos da minha pele ressequida e vencida pelo tempo. Não mais do que uma pequena solidez nos punhos e na face, não mais do que um pedaço de esforço vão e sôfrego, vão e inútil, como se estas palavras tivessem significados diferentes. Não vejo a minha sombra no asfalto da rua. Porque será? Não fosse noite na minha alma e tentaria responder a esta pergunta.
Pergunto-me amiúde porque me sentirei assim. Não encontro resposta. Ela foge-me. Ela substitui-se à pequenez da minha visão. Porque os meus olhos vêm coisas que o mundo esconde, e assim iliba. Todo o mundo está de antemão ilibado. E a minha sorte será jogada com uns dados viciados que as mãos do meu amor lançou de encontro ao meu corpo dobrado e cansado. Sem a liberdade do sentir. Sem eu próprio poder soletrar uma palavra que seja em contrário. Nem sequer há a vontade de fazer isso. Estou resignado.
O vento sopra sorrateiro por entre as pregas da minha camisa. Ela e o vento ensaiam uma pequena coreografia ondulante, e eu fico estático. Vejo as outras pessoas, sorridentes, a comentarem entre olhares expressivos: “Está tanto vento!” Mas este tanto vento não chega para varrer todas as misérias que nascem entre nós. Estamos impregnados de mau sentir.
Bórgia Ginz, in O Anormal