Apenas solidão
Apenas solidão
Anton era um contratante, uma espécie de laboral perfilhado pela míngua do desejo, que suspirava modos de ternura através de papéis escritos sem cores, e avivava toda a memória de quem ansiava por mais qualquer coisa. Ele um dia aspirou possuir um desejo, ele que a tantos dava resposta. Colocou-se no ponto mais alto da cidade e observou dali todas as criaturas que lá ao fundo cumpriam a sua actividade com desenvoltura, acercou-se dos seus pensamentos, filtrou todas as perguntas, e também ele pôde começar a ter algumas.
-Quem sou eu. E quem és tu.
Ele era um vártil. A outra era uma mulher bela.
-Também aqui estás.
-Meu amor, vi-te ao longe e tão ao cimo e vi-me como um anseio teu, um beijo é o que te quero dar, mas não quererás tu talvez foder-me?
-Não tenho pénis. Não tenho cú. Apenas solidão.
-Meu amor, substituo o teu cú pelo meu, e poderemos andar de mãos unidas no cais de embarque. Poderemos partir para lá, onde se faz o tempo, e onde os sonos são mais majestade.
Anton e ela acabarm por partir uma pedra do tamanho de uma laranja e separaram-se cada um com uma metade. A metade mais bela foi a que ficou por atribuir, a metade do tempo em que estiveram ambos em frente um do outro.
Anton foi sempre um bom homem. Bom de corpo para as mulheres, bom de alma para a mãe. Por todas elas desejado. Percorrera todo um tempo em que as sombras eram nitidamente mais fortes que os objectos, e em que se recriava a penumbra através do efeito-espelho. Antes novo agora velho ele permanecia enjaulado na JAE pelo foro psicológico.
Ela levou a mão à cona e lentamente esticou o dedo mais comprido e gordo que tinha, sentindo já na ponta da unha a viscosidade acumulada pelo sono de horas. Afastava-se de Anton com passo rápido. Deveria afastar-se da memória o mais rápido que podia, sempre em frente, até poder levantar o empedrado do passeio para assim se esgueirar por lá. O outro lado do mundo parecia tão perto! Lá, onde o tempo é mais majestoso, e onde todo Anton permanecia estéril e intocado.
Queira visitá-lo na noite. O Sol era ainda demasiado para ser uma solução. Esperaria ali sentada. Anton deveria vir logo atrás.
Juca Pimentel